1
Era o último final de semana antes de encerrar as férias de verão. Aquele fim de tarde de sábado estava um tanto melancólico para Juliana e Ana Luiza. Até o pôr do sol, em toda sua majestade, com seus tons alaranjados e róseos, tinham uma cara de final de filme para elas.
As férias haviam sido muito divertidas e parecia que, no melhor da diversão, o tempo resolveu pregar uma peça e antecipar o início das aulas.
Não é que elas não gostassem da escola ou de estudar. Muito pelo contrário, eram alunas dedicadas, caprichosas e sempre tiravam boas notas. Mas, sabe como é: férias são sempre férias.
Estavam as duas meninas a decidir o que fazer no dia seguinte. Este domingo deveria ser muito especial, digno do que foram estas maravilhosas férias que se encerravam.
- Que tal passar o dia inteiro na piscina? Sugeriu Ana Luiza.
- O dia inteiro cansa. Podemos ficar na piscina pela manhã e fazer outra coisa à tarde. Discordou Juliana.
- É verdade... Já sei! Podemos ir ao shopping à tarde. Minha mãe pode nos levar e depois nos buscar!
- Boa idéia! Podemos pegar uma sessão de cinema. A Marina me disse que está passando um filme bem maneiro.
- Que filme? Quis saber Ana Luiza.
- Não lembro o nome, mas é sobre quatro meninas de uma favela que montam uma banda e fazem o maior sucesso.
- Banda?
- É de música. Explicou Juliana.
- Legal! Adoro filmes sobre bandas. Você sabia que eu já fiz algumas aulas de guitarra?
- Não sabia. Mas, voltando ao assunto, fica combinado. Amanhã vamos à piscina pela manhã e à tarde vamos ao shopping assistir esse filme.
- Combinado. Concordou Ana Luiza.
Antes de subirem cada uma aos seus apartamentos, ficaram ainda mais algum tempo sentadas num banco do pátio do condomínio. Relembravam as coisas que fizeram durante as férias, ao mesmo tempo em que lamentavam que ela estivesse acabando.
Foi a mãe de Juliana que interrompeu a conversa das meninas, ao chamar sua filha para subir para jantar. Já estava na hora de se recolher.
2
E, conforme foi informado pela previsão do tempo da televisão, aquele domingo amanheceu incrivelmente ensolarado.
A galerinha do condomínio estava em peso na piscina. Todos queriam aproveitar o último dia de suas férias escolares.
Ana Luíza e Juliana estavam entre as primeiras a chegar. Brincaram um montão, com o resto da turminha, até chegar a hora do almoço.
Como piscina e brincadeiras dão fome, as meninas almoçaram muito bem. Logo em seguida foram se arrumar para seu programa da tarde.
Quando tocou o interfone no apartamento de Juliana, ela logo correu para atender. Imaginou que era Ana Luiza chamando para saírem. E era exatamente isso.
- Venha logo, minha mãe já está nos esperando no carro.
Sentaram as duas no banco de trás, puseram o cinto de segurança e pronto, estavam preparadas para ir ao shopping.
Ao chegarem lá, a mãe de Ana Luiza deu diversas recomendações. Além disso, falou, por fim, que viria buscá-las às dezoito horas e que era para elas a esperarem na entrada principal do shopping.
Foram direto para a fila do cinema para comprar os ingressos. Não demorou muito e já estavam sentadas, confortavelmente, em bons lugares dentro do cinema, cada uma com um balde de pipoca no colo e uma latinha de refrigerante na mão.
As duas amigas se amarraram no filme. Ele narrava a história de quatro meninas, que moravam numa grande favela. Elas se conheceram em um centro comunitário que oferecia diversas atividades para as crianças daquela comunidade.
No filme, estas quatro meninas aprenderam a cantar e dançar naquele centro comunitário. E, a partir daí, começam a se apresentar em uma praça para ganhar alguns trocados. Até que um dia uma empresária de uma grande gravadora que, por um acaso do destino, passava por aquela praça, as vêem e resolve patrociná-las. Esta empresária batalha com elas até que as quatro alcancem o sucesso no final da história.
A luta destas meninas para não se envolverem com o tráfico de drogas e prostituição infantil também é retratada no filme. Mas, o que mais despertou a atenção das duas amigas, que estavam sentadas em suas poltronas no cinema, não foram as questões sociais fortemente abordadas nesta obra da sétima arte. O que chamou suas atenções foi a possibilidade de fazer sucesso com música.
Algo que para elas parecia tão distante começou a ser percebido como algo possível. Este filme, assistido no último dia de suas férias, naquele final de verão, acabou sendo uma sementinha de novas idéias para Ana Luiza e Juliana.
3
Quando acabou o filme, as duas vizinhas do condomínio e grandes amigas, ainda ficaram sentadas em silêncio durante algum tempo. Estavam pensativas. Olhavam em direção à tela como se estivessem acompanhando os letreiros finais. Acontece que, na verdade, suas cabecinhas voavam longe, longe.
- Ei, garotas. Vocês precisam sair. O filme já terminou e todo mundo já saiu. Chegou o lanterninha, também explicando que agora iria entrar rapidamente a equipe de limpeza para preparar a sala para a próxima exibição do filme.
Desculparam-se para o homem e saíram rapidinho para fora do cinema. Não falaram uma palavra enquanto se dirigiam para a praça de alimentação.
A escolha para onde ir foi dita em silêncio. Como se fosse feito telepaticamente. Nada foi combinado e foram andando até a frente de uma lanchonete. Talvez até fosse uma fominha batendo.
- Por que você parou aqui? Quer comer alguma coisa? Perguntou Ana Luiza.
- Sabe que eu não sei... Eu fui indo aonde você ia. Nem pensei em nada. Respondeu Juliana.
- Já que estamos aqui, que tal um hambúrguer?
- Boa idéia. Vou querer também um milk-shake.
Ficaram alguns poucos minutos na fila, fizeram seus pedidos, que foram prontamente atendidos, escolheram uma mesa e sentaram-se.
- O quê você achou do filme? Quis saber Juliana.
- Fantástico, a Marina tinha toda razão. Valeu a pena ter assistido.
- Também adorei. Não lhe dá uma vontade de montar uma banda, que nem elas? Fazer sucesso, shows, gravar um CD?
- Vontade até que dá, mas isso é coisa de filme. Não é assim tão fácil.
- É verdade... Mas não custa sonhar... Não é?
- É... Este sempre foi o meu sonho... Comentou Ana Luíza, com o olhar distante.
- Nós poderíamos fazer assim: você tocaria guitarra e eu faria as letras. Você sabe que eu adoro fazer poesia e uma letra de música nada mais é que um poema cantado. Insistiu Juliana.
- Depende da letra. Tem cada porcaria tocando por aí...
- Sim, você tem toda razão. Concordou Juliana, rindo um bocado.
Ana Luíza também começou a rir. Riu tanto que até chegou a se engasgar com o milk-shake. Com isso, a risada foi maior ainda. Virou gargalhada.
- Pára de rir... Senão eu também não consigo parar... Que mico! Pediu Juliana à Ana Luiza, entre uma gargalhada e outra.
- Está bem, está bem. Deixe-me respirar. Concordou Ana Luiza, cessando a risada.
Ficaram alguns segundos em silêncio, respirando, até Juliana interromper e voltar a insistir:
- Pois então, você não concorda comigo que nós conseguiríamos fazer uma música melhor que essas coisas que andam fazendo sucesso?
- Mas já tem muita gente boa também fazendo música de qualidade. O quê duas meninas, como nós, poderão fazer para se destacar?
- Sei lá, se tem gente que consegue, nós também podemos conseguir. Afirmou categoricamente Juliana.
Então, Ana Luiza viu no seu relógio que já estava quase na hora combinada de sua mãe chegar para buscá-las.
- Ju, já está quase na hora da minha mãe chegar. Vamos terminar logo nossos sanduíches.
4
A mãe de Ana Luiza chegou bem na hora combinada e as duas já a esperavam.
- Como foi o filme, meninas? Perguntou a mãe.
- Ótimo, tia, muito dez! Respondeu Juliana.
- Fizeram um lanche depois do cinema?
- Fizemos mãe.
- E os gatinhos? Paqueraram alguém no shopping?
- Ai, mãe, que mico! Nós ainda não estamos em idade de namorar!
- Epa. Que mau humor é esse Ana Luiza? Eu não falei em namoro. Só perguntei se vocês paqueraram alguns gatinhos. Apenas olhar, jogar um charminho... Saiba que na sua idade eu já paquerava alguns meninos, inclusive o seu pai.
- Ah, desculpa mãe. É que eu estou um pouco estressada. Amanhã voltam as aulas...
- Ora, ora. Crianças com estresse... Onde já se viu. Brincou a mãe.
Ao chegar ao condomínio, Ana Luiza pediu à sua mãe se poderia ficar mais um pouco no pátio, conversando com Juliana.
- Pode ficar. Mas, só mais meia hora. Você precisa arrumar sua mochila com os materiais e separar seu uniforme. Amanhã o dia começa bem cedo.
- Ai, tia, não precisava lembrar... Lamentou Juliana.
- Ju, fala para sua mãe que amanhã eu levo e busco vocês na escola.
- Está bem.
Como Ana Luiza e Juliana estudavam juntas, não só na mesma escola, como até mesmo na mesma classe, as mães se revezavam para levar e buscar as meninas. Um dia era a mãe de uma, no dia seguinte, ia a mãe da outra.
- Então está combinado. Amanhã cedinho você vem lá em casa. Tchau, querida, até amanhã.
- Tchau, tia.
Assim que a mãe da Ana Luiza subiu, Juliana voltou com toda a carga ao assunto da banda.
- Aninha, minha querida amiguinha. Vamos montar uma bandinha. Bem bonitinha. Tocar e cantar musiquinhas...
- Você é uma figura rara mesmo, Ju. Falou Ana Luiza, rindo.
- Então Aninha, responde que sim, responde.
- Meu, montar uma banda não é tão fácil assim. Não é só: “vamos montar uma banda e pronto”, plim, como mágica, nós já estamos tocando e fazendo shows.
- O que é que tem de tão complicado? Perguntou Juliana.
- O que tem de complicado é que precisamos de mais músicos, um lugar para ensaiar, tem que ter alguns dias certos para ensaiar. Não se pode faltar aos ensaios...
- Ah, tudo isso a gente dá um jeito.
- Ju, minha insistente amiga, você sabe que eu sonho com isso, mas acho que é ainda muito cedo para querer ter uma banda.
- Mas não precisamos levar a coisa tão a sério. Vamos montar uma banda só por diversão.
- Aaaii, sua mala sem alça. Está bem, vou pensar no seu caso.
- Aninha, meu amorzinho, pense com todo carinho... E as duas caíram na gargalhada.
Enquanto isso, a mãe de Juliana desceu até ao pátio do condomínio a fim de chamá-la para subir.
- Boa noite mocinha. Nem para avisar que chegou... Esqueceu que tem mãe?
- Ah, oi mãe. Sorriu amarelo, Juliana.
- Eu estava preocupada. Tive que ligar para mãe da Ana Luiza para saber se você tinha chegado. Falou a mãe da Juliana.
- Me desculpe mãe. É que nós estávamos conversando um assunto muito importante...
- Muito importante... Repetiu a mãe de Juliana e continuou:
- Está bem... Ana, sua mãe pediu para eu lhe avisar que já está na hora de subir. E você, mocinha, vamos para casa.
As amigas, então, se despediram e subiram cada uma para seu apartamento.
5
Aquela segunda-feira amanheceu chuvosa, combinando com o humor da criançada do condomínio. Era um festival de caras feias descendo pelos elevadores. Todos emburrados e com cara de sono.
Mas tudo isso foi passageiro. Bastou as crianças chegarem às suas escolas e se encontrarem com os colegas, que a alegria voltou às carinhas daquela galerinha.
Quantas novidades na escola... As muitas coisas que fizeram nas férias, os presentes que ganharam no natal, as viagens, era tanta coisa para contar para os colegas, que as crianças tornaram a lembrar de como a escola é legal. E como é bom rever os colegas.
Ana Luiza e Juliana chegaram bem cedo e logo trataram de procurar a nova sala de aula. Tinham pressa, pois queriam garantir que conseguiriam sentar lado a lado em suas carteiras.
O começo da aula foi como todos os começos de aula no início de um ano letivo. A professora chegou, se apresentou, pediu para as crianças se apresentarem e, depois disso, pediu que os alunos fizessem uma redação falando sobre as férias.
A hora do recreio foi curta demais. Mal deu tempo para lanchar. Foi tanta brincadeira, tanto papo entre amigos e amigas, que aqueles minutinhos pareceram segundos.
Aula que veio depois do recreio, para a turma da Ana Luiza e da Juliana, era de Educação Artística. Foi praticamente a mesma história: professora e alunos se apresentando.
Mas a professora de artes, a dona Lídia, tinha uma novidade para contar para a turminha. Uma novidade que virou de vez a cabeça de Juliana.
Agora estava definitivamente decidido. Ela iria montar uma banda de qualquer jeito. “Custe o que custar”, assim como ela disse para Ana Luiza, depois da aula.
- Muito bem crianças, eu tenho uma novidade para contar para vocês. Disse a professora e logo em seguida respirou fundo. Esses segundos para respirar geraram certo suspense para a turminha.
- Alguém, desta classe, toca algum tipo de instrumento musical? Perguntou dona Lídia.
Ana Luiza e um garoto sentado no fundão levantaram as mãos. Este garoto era o Pedro, que também morava no condomínio das duas amigas.
- Que instrumento você toca Ana Luiza?
- Eu toco guitarra, dona Lídia?
- Podem me chamar apenas pelo meu nome: Lídia. Esqueçam o “dona”. E você, Pedro?
- Eu toco contrabaixo. Respondeu Pedro.
- Aquele com vara, de orquestra?
- Não, Profe, baixo elétrico.
- Ah, mais alguém toca algum instrumento?
Vendo que ninguém mais levantou a mão, fez outra pergunta:
- E alguém escreve letras de música ou poesia?
Desta vez somente Juliana levantou a mão. A professora, então, elogiou Juliana e disse que durante o ano iria trabalhar, nessa turma, não somente com artes plásticas como, também, com poesias. Lamentou que somente uma aluna escrevesse poesia naquela classe.
- E a novidade, profe? Perguntou uma aluna, mais curiosa, que sentava perto da janela.
- Ah, sim. A novidade é que nesse ano, a Secretaria de Educação do Município, junto com a Secretaria de Cultura, resolveram criar um festival de música. E, neste, festival somente poderão participar crianças matriculadas em escolas de nossa cidade.
- Legal, e o que é que nós temos com isso? Perguntou um gordinho que sentava no fundão ao lado de Pedro.
- O que vocês têm com isso? Bem, antes eu perguntei se tinham alunos na classe que tocavam instrumentos ou que escreviam letras de músicas. Isto foi porque, se vocês quiserem participar deste festival, com uma banda, eu darei todo o meu apoio.
Ana Luiza olhou imediatamente para sua amiga, Juliana, que estava com os olhos esbugalhados de tão arregalados.
Pedro, que estava sentado com sua cadeira, apoiada apenas pelos dois pés de trás, ajeitou-se, sentou direitinho com a cadeira no lugar certo e perguntou para a professora:
- As bandas têm de ser formadas por alunos da mesma escola, ou podem ter integrantes de outras escolas?
- O único pré-requisito é que os alunos estudem em nossa cidade. Cada integrante da banda pode até estudar em uma escola diferente. Por quê?
- É porque eu tenho uma banda e o nosso baterista estuda em outra escola. O restante estuda aqui mesmo, na nossa escola, em outras turmas.
Ao ouvir isso Juliana virou-se para ver o Pedro e falou para si mesma:
- Ele tem uma banda...
O problema é que ela falou muito alto e toda a turma ouviu. A risada foi geral. Juliana corou de vergonha.
Continua no livro...